Folha de S. Paulo
A guerra política da vacinação contra a Covid-19 teve nova escalada nesta sexta-feira (11). Em disputa com estados e após nove meses de pandemia, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) prevê R$ 20 bilhões para imunizar toda a população em 2021.
Até o fim de novembro, o Ministério da Saúde tinha outro plano. No dia 27 de novembro, a ideia era vacinar apenas grupos prioritários, como hoje é feito contra a gripe. Bolsonaro se posiciona contra vacinação obrigatória.
O dia foi marcado por informações desencontradas, vistas até como um possível confisco de vacinas, enquanto o país espera por um plano efetivo de imunização.
A confusão começou com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), que disse, em rede social, que o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) decidira requisitar vacinas produzidas no país ou importadas via medida provisória.
Até o momento, à exceção da Sputnik V, que recebeu autorização do governo russo em agosto, nenhuma vacina recebeu ainda aprovação para uso em larga escala; veja quais estão em fase final de testes (fase 3) Dado Ruvic/Reuters
Após reação do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), com quem Bolsonaro trava uma batalha, a pasta negou a intenção de confisco. O ministério, no entanto, pretende centralizar a compra e distribuição de imunizantes.
De acordo com Caiado, a intenção era evitar disputas entre estados e municípios. “Nenhum estado vai fazer politicagem e escolher quem vai viver ou morrer de Covid”, escreveu na tarde desta sexta.
Pela manhã, o governador havia se encontrado com Pazuello na inauguração de um hospital maternidade em Goiânia. À Folha Caiado argumentou que a requisição não se tratava de um confisco.
“[A medida vai] deixar claro que toda a produção nacional ou importação está requisitada pelo Ministério da Saúde para que faça uma distribuição de acordo com o grupo de risco em cada estado”, disse.
“Requisitar existe na legislação brasileira e não tem nada de diferente do que é feito a todo momento, o governo está tratando de saúde pública. Requisitar administrativamente é algo legal. É uma regra que existe no Brasil e no PNI [Plano Nacional de Imunização]”, afirmou Caiado.
O governador goiano já vinha desde o início da semana criticando o líder paulista.
Ao lado de Caiado, no hospital, Pazuello dissera que o plano de vacinação nacional é de responsabilidade do governo federal. Segundo ele, nenhum brasileiro terá vantagem, por morar em determinado estado.
“Nosso plano nacional de imunização é nacional. Nenhum estado da federação será tratado de forma diferente, nenhum brasileiro terá vantagem sobre outros brasileiros”, afirmou.
No dia 7 de dezembro, Doria anunciou para 25 de janeiro o início da vacinação da população paulista com a Coronavac. A produção é feita em parceira do Instituto Butantan com a chinesa Sinovac.
No mesmo dia, Bolsonaro disse que toda a população teria acesso a imunizantes registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Nem a Coronavac nem nenhuma vacina já está registrada.
O governador paulista também reagiu com mensagem em uma rede social. “Os brasileiros esperam pelas doses da vacina, mas a União demonstra dose de insanidade ao propor uma MP que prevê o confisco de vacinas”, escreveu.
“Esta proposta é um ataque ao federalismo. Vamos cuidar de salvar vidas e não interesses políticos”, afirmou o governador tucano.
O embate público levou o Ministério da Saúde a emitir uma nota no fim da tarde. A pasta negou ter manifestado a intenção de confiscar ou requerer vacinas que tenham sido adquiridas por estados.
“Reiteramos que, em nenhum momento, o Ministério da Saúde se manifestou sobre confisco ou requerimento de vacinas”, afirmou a pasta.
Uma fonte no ministério explicou que o governo pretende adquirir todas as doses necessárias para imunizar a população brasileira. Isso será feito dentro do PNI sendo visto como o único plano no país para promover a imunização.
No entanto, a princípio, o governo não pretende impor nenhum mecanismo que proíba estados de efetuarem aquisições próprias de vacinas.
Apesar da negativa do ministério, interlocutores do Planalto disseram que o governo avaliou editar decreto prevendo a requisição administrativa de imunizantes.
A medida teria como base uma lei de fevereiro deste ano que trata da emergência em saúde pública causada pelo novo coronavírus.
No entanto, a intenção foi questionada até por auxiliares de Bolsonaro. Eles afirmaram que há grande risco de a medida ser considerada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), caso a corte viesse a ser provocada.
Enquanto o embate seguia ao longo do dia, o ministro Paulo Guedes (Economia) tratava dos gastos com Covid.
Houve duas reuniões nesta sexta para discutir possíveis planos para a compra dos imunizantes. Participaram dos encontros Pazuello, Guedes, o ministro Fábio Faria (Comunicações) e o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
No Congresso, mais tarde, Guedes disse que o governo ainda estuda estratégias de imunização para o Brasil, enquanto outros países já aprovaram vacinas e compraram doses de diferentes fabricantes.
O custo da operação varia de acordo com o tipo da vacina escolhida.
“Se formos partir agora para uma campanha de vacinação em massa, devem ser mais ou menos R$ 20 bilhões”, afirmou Guedes em audiência na comissão do Congresso que acompanha ações de enfrentamento à pandemia.
Segundo interlocutores no governo, os recursos necessários devem ser liberados em breve por uma MP. Na audiência com congressistas, Guedes sinalizou que a verba pode ser autorizada ainda neste ano, o que aproveitaria regras fiscais flexíveis do chamado orçamento de guerra.
Ao explicar os gastos do governo em 2020, ele disse que já foram disponibilizados cerca de R$ 600 bilhões em medidas de enfrentamento da pandemia e que esse valor poderia ser de R$ 620 bilhões com a verba da vacina.
O ministro indicou que o valor mencionado diz respeito apenas à compra das vacinas. Não inclui, por exemplo, insumos e logística.
Segundo Guedes, o valor de cada dose é estimado em US$ 10. Para imunizar 200 milhões de brasileiros com duas doses, seriam necessários US$ 4 bilhões —ou seja, os R$ 20 bilhões.
O valor citado por Guedes é mais de dez vezes maior do que o liberado para a compra da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca. Para 100 milhões de doses, o governo vai desembolsar R$ 1,9 bilhão.
O contrato foi firmado para produção e distribuição do imunizante em parceria com a Fiocruz. O Congresso aprovou os recursos, também liberados por MP, na semana passada.
O Brasil participa ainda da Covax Facility. O país destinou para a iniciativa global que visa acelerar o desenvolvimento de uma vacina R$ 2,5 bilhões para a compra de imunizantes em consórcio. São previstas mais 40 milhões de doses.
Por fim, o governo fechou memorando de entendimento com Pfizer segundo o qual são previstas mais 70 milhões de doses. Ao todo, assim, a pasta já conta com 370 milhões de doses em 2021.