Relatório da Unicef mostra índices de casos de abuso sexual no Brasil
Mais de 74 mil crianças de 10 a 14 anos foram estupradas no Brasil entre 2017 e 2020 – uma média de 50 por dia, ou duas por hora. Essa é a faixa etária que mais sofre esse tipo de crime (45%), dentre o total de vítimas de 0 a 19 anos. Os dados, apresentados no fim do ano passado pelo Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reforçam que o caso da menina de 11 anos estuprada em Santa Catarina não é uma exceção.
A grande maioria das vítimas de violência sexual é menina – quase 80%, e na mesma faixa etária da criança que foi impedida por uma juíza de realizar o aborto previsto em lei no caso de violência sexual. Ainda segundo o estudo do Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a maioria de crimes do tipo ocorre na residência da vítima. Para os casos em que há informações sobre a autoria dos crimes, 86% dos autores eram conhecidos.
“Como o estupro acontece dentro de casa e por alguém com vínculo familiar e afetivo, muitas vezes a família tem dificuldade de romper com a violência. Às vezes, a mãe da criança é mais simples, não quer expor a família, muitas vezes até sofreu violência na infância”, disse Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os dados fazem parte do relatório “Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil”, publicado em outubro passado. O relatório informa que 179.277 crianças e adolescentes foram vítimas de estupro de vulnerável e estupro entre 2017 e 2020, uma média de 45 mil caso por ano – ou 123 casos por dia. Vítimas vulneráveis são aquelas com até 13 anos e juridicamente incapazes de consentir uma relação sexual; ou ainda que não conseguem oferecer resistência, seja por deficiência, enfermidade ou por estarem sob o efeito de drogas.
Meninas brancas aparecem como as que mais sofrem com esse crime sexual. Segundo o documento, 86% das vítimas de estupro são do sexo feminino e 55%, brancas.
O levantamento mostra um aumento do número de casos a partir dos 3 anos. Entre 3 e 8 anos, há uma estabilidade. O crime volta a crescer de forma mais acelerada a partir dos 10 anos, até atingir seu pico aos 13 anos.
Essa é uma faixa etária extremamente vulnerável também do ponto de vista de saúde mental, lembra a psicóloga Daniela Pedroso, especializada em temas de violência sexual e aborto.
“Nessa idade existe até uma dificuldade de se entender o que está acontecendo, o que é essa gravidez. Muitas vezes essas gestações chegam tardiamente aos serviços de aborto legal porque falamos de crianças, de meninas, que não têm conhecimento sobre o próprio corpo. Quando descobrem, a gravidez já está avançada”, afirma.
Segundo Daniela, nesses casos o acompanhamento psicológico se torna ainda mais essencial.
“São crianças sem condição de discernir sobre fatos sexuais. O atendimento é feito com ludoterapia, brincadeiras mesmo, sentar no chão com elas”, conta a psicóloga, que trabalha há 25 anos em casos do tipo em São Paulo.
De acordo com Daniela, a complexidade é ainda maior quando é negado o respaldo legal para interromper a gestação, como no caso da menina de 11 anos de Santa Catarina:
“Estudos científicos nos últimos 40 anos mostram que o dano psicológico é mais sério quando a gestação é levada a termo do que quando a gestação é interrompida. São crianças que serão privadas da escola, de seus contatos, dos seus relacionamentos”.
Juliana, do Fórum de Segurança Pública, alerta que os estupros são crimes com altos índices de subnotificação, e que os boletins de ocorrência ainda possuem muitas falhas. Esse cenário, segundo ela, foi agravado pela pandemia, em especial durante o período de maior isolamento social.
Além da restrição de circular, a pandemia fez com que os órgãos públicos tivessem alterações em horários e dias de funcionamento. Com a maioria das escolas operando apenas virtualmente, crianças e adolescentes deixaram de frequentar o principal espaço em que, usualmente, têm contato com adultos fora do círculo familiar.
“Durante a pandemia, as notificações caíram, mas os casos não necessariamente diminuíram”, afirmou a coordenadora do Fórum. “Nesse período, ao contrário de estupros em geral, os de vulneráveis aconteceram de segunda a sexta-feira, pela manhã e tarde. Horários em que essas crianças não estavam na escola, e que os cuidadores estavam em casa”.
Violência sexual em Santa Catarina
O relatório mostrou ainda a distribuição regional dos registros de violência sexual com vítimas entre 0 e 19 anos. Em 2020, Santa Catarina apresentou a quinta maior taxa de violência sexual. As taxas representam o número de estupro e estupro de vulnerável por 100 mil habitantes.
Naquele ano, os cinco estados que apresentaram as piores taxas foram Mato Grosso do Sul (186,0), Rondônia (146,2), Paraná (139,7), Mato Grosso (136,5) e Santa Catarina (135,2). Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, que possuem dados para uma série histórica completa, vêm demonstrando redução das taxas ao longo dos anos.
As taxas de Paraná e Santa Catarina tiveram oscilações ao longo do tempo, mas no último ano também tiveram redução.
O delegado Bruno Calandrini, chefe do inquérito que apura suposto tráfico de influência no Ministério da Educação e Cultura (MEC), foi exonerado do setor da Polícia Federal responsável por investigar autoridades com foro privilegiado.
Segundo nota divulgada nesta terça-feira (28) pela PF, Calandrini vai a continuar à frente das investigações sobre suspeitas fraudes no MEC.
A PF informou que foi o próprio Calandrini quem pediu, ainda em maio, para deixar o cargo que ocupava na Coordenação de Inquérito nos Tribunais Superiores.
A troca foi formalizada no dia 16 de junho, antes da operação que prendeu o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, de acordo com a PF.
Segundo a Polícia Federal, Bruno Calandrini vai agora coordenar a Unidade Especial de Investigação de Crimes Cibernéticos “presidindo trabalhos investigativos sensíveis daquela unidade”.
Calandrini havia denunciado a colegas da PF, em mensagem interna, que sofreu interferência na execução da operação em que o ex-ministro foi preso (vídeo abaixo).
Segundo o delegado, houve “decisão superior” para que Ribeiro não fosse transferido para Brasília, conforme determinação judicial emitida na quarta-feira por um juiz federal.
Em razão da “decisão superior”, escreveu o delegado, ele deixou de ter “autonomia investigativa e administrativa para conduzir o Inquérito Policial deste caso com independência e segurança institucional”.
“Falei isso ao Chefe do CINQ [Coordenação de Inquérito nos Tribunais Superiores, da Polícia Federal] ontem, após saber que, por decisão superior, não iria haver o deslocamento de Milton Ribeiro para Brasília e manterei a postura de que a investigação foi obstaculizada ao se escolher pela não transferência de Milton a Brasília à revelia da decisão judicial”, escreveu o delegado na mensagem.
De acordo com o delegado, foram concedidas ao ex-ministro “honrarias não existentes na lei”.
“O principal alvo, em São Paulo, foi tratado com honrarias não existentes na lei, apesar do empenho operacional da equipe de Santos que realizou a captura de Milton Ribeiro, e estava orientada, por este subscritor, a escoltar o preso até o aeroporto em São Paulo para viagem a Brasília”, escreveu.
Nota da PF
Leia abaixo a íntegra de nota divulgada pela Polícia Federal:
Após tratativas iniciadas ainda no mês de maio do corrente ano, no dia 15/6/2022 houve a movimentação formal do DPF Calandrini para a DRCC/CGFAZ/DICOR/PF, onde irá coordenar a Unidade Especial de Investigação de Crimes Cibernéticos – UEICC presidindo trabalhos investigativos sensíveis daquela unidade.
O próprio servidor manifestou interesse (ainda no mês de maio) em ser movimentado para a nova unidade, para onde irá apenas no mês de julho, permanecendo na presidência da Op. Acesso Pago (IPL do MEC) e outros inquéritos da CINQ/CGRCR/DICOR/PF.
Concomitantemente, foi procedida a movimentação de outro DPF para repor a saída do DPF Bruno Calandrini da CINQ.